Aqui em casa moram vários artistas, filósofos, escritores, poetas, com os quais recorro e mantenho contato constantemente. Sei que vocês também conhecem muitos deles e privam da companhia e admiração! Dialogo com muitos deles, claro, sempre respeitando a distância abissal que nos separa! Em verdade, por serem sábios, são simples, não complicam! Observo que isentos de preconceitos não se apressam em julgar, nem tampouco antecipam conclusões!
Num bate-papo informal com Platão, por exemplo, ele foi enfático: “Preste bem atenção: entre ser injustiçado e cometer a injustiça, opte sempre pela primeira!” Ponderei: – Mas, Pla, injustiça dói n’alma; você pagar por um crime que não cometeu? E, ele, sabiamente, questionou: “E quem comete a injustiça, como fica a consciência? Das dores, o remorso, é a pior de todas! Não há bálsamo que alivie!”
Enquanto meditava profundamente sobre aquelas palavras, eis que me aparece Beethoven, com uma batuta na mão, assoviando, por certo uma futura obra-prima! Dei-lhe bom dia, e, na intimidade, perguntei: – Bee, onde você busca e encontra tanta inspiração para compor? Ele olhou serenamente e respondeu: “Simples: no silêncio! É no silêncio profundo que estão guardadas as preciosidades de todas as artes! Se duvidar, converse um pouco com o amigo Leo, que ele pode ajudá-lo a compreender essas coisas do espírito!” Ainda espantado com a resposta, consegui perguntar, qual Leo? Ele falou: “O italiano genial, Leonardo Da Vinci!” Pensei, comigo: – É, Dona Maria tinha razão ao dizer que os sábios são humildes; os bobos, arrogantes!
Seguindo a bússola musical, fui à procura do namorado da célebre Mona Lisa e não foi difícil encontrá-lo! Estava tranquilo numa taberna, na Via Cavour, degustando um Chianti, tentando explicar a um amigo, o sorriso enigmático da sua musa! Pedi licença, como sempre, e entrei na conversa cheio de reservas para dizer-lhe: – Leonardo, estive recentemente com Beethoven, que me disse ser o silêncio a fonte de inspiração dele, e que você poderia ajudar-me a desvendar os meandros desse mistério. – Concorda com o ponto de vista dele?
Após sorver um pouco de vinho, falou-me pausadamente: “Ele está certo ao priorizar a quietude como uma bela fonte de inspiração, sobretudo, porque é músico! Mas, ouso afirmar que os lampejos podem surgir de uma infinidade de motivos conscientes, inconscientes e, às vezes, até das coisas mais singelas! Porém, é preciso estar sempre atento aos sinais, porque eles são extremamente sutis e fugazes! O sorriso da Mona Lisa, por exemplo, veio depois de um longo beijo. Se eu não estivesse apaixonado, como iria percebê-lo?! Entretanto, quem entende de paixão são os poetas. Eles, com poucas palavras, são capazes de fazer sorrir, chorar, iluminar os olhos de quem lê! A poesia é uma pintura invisível, que voa como passarinhos cantando e encantando sem cessar! Ah, os poetas, quem me dera! A propósito, você já leu Shakespeare? Ah! Não sabe o que está perdendo”, finalizou!
Saí daquele encontro embevecido com o modo de os gênios perceberem e tratarem a subjetividade das artes! Não perdi tempo e atravessei o Canal da Mancha, ávido para encontrar o célebre pai dos meninos, Hamlet e Otelo! Não foi fácil encontrá-lo! Escrevendo, encenando e dirigindo peças, encontrava-se na labuta de interpretar a vida através da arte! Bem, já que estou aqui, vou até ao Globe, assisto à peça em cartaz e no final, tentarei arrancar-lhe umas palavras pra levar como lição! Não deu outra! Após a apresentação, ainda sob o eco dos aplausos, perguntei: – Poeta, numa palavra, o que é a vida? Exausto, ainda com os trajes do Rei Lear, respondeu com a formalidade britânica: “My dear sir, life is about love! True love! Can you understand me?” Parecia estar prenunciando o sucesso dos seus conterrâneos, All you need is love!