Você já ouviu falar ou consumiu o maracujá-do-mato, o espinafre malabar, o ora-pro-nóbis ou a taioba? Com valor nutricional de destaque e desenvolvimento espontâneo no consumo de alimentos, as Plantas Alimentícias Não Convencionais, conhecidas como PANCs, vêm ganhando cada vez mais destaque em nosso dia a dia. Mas você já imaginou que elas podem ser úteis também no processo de ensino-aprendizagem da área de Química, estimulando a valorização da ancestralidade, da história e da cultura afro-brasileira?
A partir dessa relação, Moselene Costa dos Reis vem desenvolvendo a pesquisa “A utilização das Plantas Alimentícias Não Convencionais (PANCs) no ensino de Química com ênfase na Lei 10.639/03”, no Doutorado em Educação Científica e Formação de Professores da Uesb, em Jequié. Segundo a pesquisadora, falar sobre PANC é falar sobre conhecimento das comunidades tradicionais de matrizes africanas. “Não tem como dissociar a utilização dessas plantas com a história e a cultura afro-brasileira”, esclarece.
Em 2003, o Brasil passou a contar com a Lei 10.639, que estabelece a obrigatoriedade do ensino de História e Cultura Afro-brasileira dentro das disciplinas que já fazem parte das grades curriculares do Ensino Fundamental e do Ensino Médio. A partir disso, novos conhecimentos na área educacional passaram a ser objetos de estudo em diversas instituições, como a Uesb.
“O objetivo dessa pesquisa é propor diretrizes que possam nortear os professores da área de Química de como poder implementar essa Lei no ensino da disciplina de forma realmente efetiva no seu planejamento, dentro dos seus conteúdos, e não apenas em datas comemorativas como o 13 de maio (Abolição da Escravatura) e o 20 de novembro (Consciência Negra)”, pontua Moselene.
Na prática – Mas como isso pode ser associado com a Química? A doutoranda explica que o estudo dessas plantas auxilia, por exemplo, o entendimento de funções orgânicas presentes nas folhas, de conteúdos da bioquímica através dos elementos químicos existentes nessas plantas ou, até mesmo, a melhor compreensão das reações químicas que ocorrem nos organismos a partir da presença das PANCs. “Ou seja, encaixa-se perfeitamente com os conteúdos de Química das diversas séries sem que o professor possa sair da sua programação”, reforça.
A pesquisadora destaca que o uso dessas plantas tem estado em alta devido a programas televisivos de culinária, como o Masterchef, o Mestre dos Sabores, entre outros. Além disso, a massificação de práticas em torno de uma vida saudável causam, também, um aumento da curiosidade no assunto. “Tudo isso desperta mais o interesse do público-alvo pela temática e facilita a sua disseminação”, afirma.
Professora de Química, Moselene acredita ainda que é maior o potencial educacional de questões que envolvem a memória e o afeto. “As PANC já fazem parte dos saberes ancestrais das comunidades tradicionais há muito tempo e foram negligenciadas com o advento da modernidade. Falar de PANC remete sempre a questão da família e isso mexe, na maioria das vezes, com a questão da emoção. Isso é um fator super importante para mim que sou uma educadora antirracista e quero ajudar a contribuir para divulgar e implantar práticas que potencialize essas ações”, defende.
Avanços e conquistas – Além de produções científicas em torno da temática, a iniciativa abre espaços de formação, com escutas entre professores da Educação Básica de diversas comunidades quilombolas baianas, como de Ribeirão do Largo e Cachoeira. Um curso de formação on-line, com 15 professores de Química de diversos Territórios de Identidade da Bahia, já foi iniciado a partir do estudo, com perspectiva de cinco momentos formativos ao todo.
Integrando a Rede PANC Bahia do Instituto de Biologia da Universidade Federal da Bahia (Ufba), o projeto recebeu um investimento de R$ 50 mil reais, fruto da seleção aberta pelo Edital Makota Valdina, iniciativa voltada para projetos que contemplem as Leis 10.639/03 e 11.645/08 em espaços escolares.
“A luta ainda é grande para que possamos conseguir realmente alcançar uma educação antirracista e esse meu trabalho é apenas um que vem ajudar a trazer um pouco de alento para esses professores. Espero que ele seja um impulsor de vários outros”, conclui Moselene.
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